
Minha irmã mais velha ganhou um PlayStation 2, ela tinha nove anos e eu dois. Meu pai não conseguiria adivinhar que eu fosse me interessar bem mais que ela, ainda estando nas fraldas. Desde então, jogar se tornou uma atividade intrincada no meu cotidiano, exceto em momentos de muita velocidade, como nos picos semestrais da faculdade ou quando a demanda no trabalho fica absurda. Decidi escrever essas reflexões pra falar de jogos, principalmente com aquelas pessoas que não jogam.
Tive a ideia quando o YouTube me notificou um vídeo. Era um gameplay (vídeo de uma outra pessoa jogando, com narração ao vivo ou não) do jogo Battlefield 3. É um jogo de tiro em primeira pessoa (o que significa que vemos através do olhos de um soldado, diferente dos GTAs, onde a câmera permite visualizar todo o corpo do personagem). Enfim, o jogo fez muito sucesso entre 2011 e 2016, mesmo o Battlefield 4 tendo lançado em 2013. Era simplesmente uma sensação. Um campo aberto de guerra em tempo real, prédios explodindo, aviões, tanques, carros, jipes, rifles de longo alcance, médicos, engenheiros, tudo. É o que chamamos de “simulação”, pois tenta, na medida do possível, ser mais realista do que jogos mais dinâmicos, mais rápidos, em que dar tiro na cabeça é o foco. No Battlefield não. As vezes é melhor explodir um prédio inteiro do que dar um tiro — e vemos como isso é bem verdade, naquelas gravações militares de genocídios.
Eu sei que parece complexo. Estou tentando levar em consideração quem não joga (por essas bandas, muita gente). Mas com certeza você deve ouvir música, assistir uns filmes de vez em quando e curtir uns bons livros, de fantasia, romance ou até erotismo (quando não, todos esses gêneros juntos). Talvez você até trabalhe com arte e acredite fielmente nos seus projetos, seja como artista, colaborador ou assessor. Por isso, acho que todos se surpreenderiam se eu falasse que Battlefield 3, um jogo de 2011, causa muito ranger de dentes através da nostalgia.
Como assim? O jogo tem míseros 14 anos. Sim, é verdade. Imagino que ninguém fique triste por um livro completar 100, 200 ou 300 anos. O livro continua lá, é só pegar e ler (dentro das limitações do acesso, físico e digital). O David Lynch acabou de falecer e um movimento colossal de retomar sua cinematografia está em vigor. Tem filme dos anos 90, dos anos 2000, dos anos 2010… É só ir lá e ver, demos graças à Nossa Senhora dos Piratas.
Mas e se eu te dissesse que não dá pra fazer isso com BF3 (Battlefield 3, a partir de agora). Você não pode revisitar o jogo. Existem alguns fatores pra isso. A diferença primordial é que Battlefield é um jogo multijogador. Você até pode jogar sozinho o que chamamos de “modo história” — onde jogamos uma narrativa, com começo, meio e fim, sozinhos —, mas não é onde o jogo brilha. A ideia é, no computador, juntar 64 pessoas se matando numa área enorme. Nos consoles (PlayStation e Xbox) é 20 e tantos, porque computadores são mais potentes. Mas um jogo que tem 14 anos não continua vendendo cópias por tanto tempo… A EA (empresa responsável) logo emplacou um quarto pra botar dinheiro no bolso. E é um ótimo jogo também, mas, claramente, foi feito com o único intuito de gerar receita. Não era necessário diminuir a vida útil de seu antecessor.

Com uma breve pesquisa, porém, percebemos que esse é o praxe da empresa: a maioria dos jogos lança com uma distância mínima de dois anos entre o antecessor e o sucessor. Afinal, Battlefield é um jogo caro do ponto de vista tecnológico. A beleza gráfica e artística do projeto custa uma penca de licenças, equipes, tempo de desenvolvimento (convertido em contas de luz, água, internet, etc, etc, tudo pra manter pessoas trabalhando pra que, no lançamento, o retorno finalmente valha).
E o que impede os jogadores de continuarem no BF3? Os servidores continuam de pé, ou seja, é possível entrar numa partida e encontrar parceiros e oponentes. Se os servidores estão vazios, ora, é assim que é, o jogo ficou velho… Mas por que diversos jogos multiplayer mantém-se com uma quantidade considerável de jogadores, mesmo depois de anos? Ora, é simples, os estúdios responsáveis não abandonaram suas produções continuas (um jogo lançado não é necessariamente um jogo pronto, lembremos disso). Um bom exemplo é o Team Fortress 2, um jogo de tiro em primeira pessoa, assim como Battlefield, mas que não funciona como simulador. Nunca houve um Team Fortress 3 e, mesmo que a empresa responsável tenha abandonado o jogo (com alguns pontuais momentos de atualizações nesses últimos quatro anos), as pessoas continuam jogando. Em ambos os casos falo de clássicos da indústria, jogos atemporais. Por que um deles continua ativo e outro não?
Vejamos a diferença. Quantos jogadores simultâneos nesse exato momento em que estou escrevendo:

Algumas diferenças: TF2 lançou em 2007 e se tornou gratuito pra jogar em 2011. Portanto, BF3 e TF2 tem a mesma idade se levarmos em consideração apenas o período de gratuidade. Porém, é recomendado que os jogadores comprem algum item cosmético dentro do jogo (roupinhas, chapéus, camuflagens de armas), pra então se tornarem jogadores “premium”, que são vistos como jogadores ativos da comunidade. Essa edição de BF3, inclusive, lançou em 2020, por isso o pico histórico tão baixo, de menos de mil e quinhentos jogadores. Ainda assim é pouco…
A comunidade (grupo de pessoas ativas no jogo e nas redes) de TF2 é muito sólida, talvez, a comunidade mais sólida atualmente. O BF3 também foi assim, até que os lançamentos seguintes — BF4, BF I (passado na Grande Guerra), BF Hardline, BF5 e aquele último que eu nem sei o nome — simplesmente diluíram os jogadores. Agora a EA tirou uma penca de grana, mas não existe mais Battlefield, nem no mercado e nem no imaginário comum.
Não quero citar pensadores. Não quero falar de dinheiro, de indústria, mas acho que deixei claro o problema aqui: o envelhecimento precoce de uma obra, levando a uma igualmente precoce morte. Isso faz com que, toda vez que um jogo multiplayer lance, os jogadores corram querendo uns míseros momentos de lazer lúdico. Um bom exemplo é esse último jogo aí da Marvel que, na minha opinião, não vai durar muito. Esses jogos não são feitos pra durar. O mercado é competitivo e autofagocitante. Pessoas acostumadas com os jogos ficam frustradas, enquanto, aquelas externas ao conhecimento da linguagem e do método próprio dos jogos, continuam preconceituosas. E, talvez, esse seja um preconceito correto pelos motivos errados.
Meus amigos seguem jogando League of Legends (o famoso LoL) desde meados de 2013. Um jogo cujas regras mudam a todo momento, beneficiando, um por um, cada tipo específico de jogador. No começo do ano é a vez de agradar os atacantes, em março, agrada-se os zagueiros, depois os goleiros, depois os centro-avantes, os laterais e, por fim, os meias. Assim, todos se mantém jogando, por anos e anos, esperando o próximo momento em que as regras beneficiarão o seu lado. É como se, no Xadrez, houvessem, a cada dois meses, uma atualização nas regras que que beneficiam especificamente um dos seis tipos de peças possíveis. Entre janeiro e fevereiro os Peões podem voltar. Março e abril, os Cavalos podem fazer um “L” de qualquer tamanho possível, desde que seja um “L”. Em maio e junho, a Dama, caso caia, pode ser revivida gratuitamente uma vez. Julho e agosto, as Torres andam na diagonal também. Setembro e outubro, o Bispo pode caminhar para qualquer lado, como o rei (uma casa por vez, exceto nas diagonais, por ainda serem Bispos), afim de mudar seu alinhamento de casa preta pra branca e vice-versa. Por fim, em novembro e dezembro, o Rei tem direito a um teletransportes para qualquer casa desocupada.
Significa que não existe jogo bom, então? Não existe nenhum produto caracterizado como videogame que agrade ao paladar, divertindo, e muito menos agrade ao que os românticos chamaram de “alma”, edificando o indivíduo através da arte, da educação e do esporte? Existe, existe sim. Mas falar sobre eles não gera engajamento.
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Decidi nem revisar esse texto, que saiu do nada. Por fim, recomendo piratearem jogos, independentes ou AAA (isto é, jogos feitos com o valor do PIB de um país africano após séculos e séculos de violência). Digo isso pois comprá-los digitalmente não dá direito a eles, leia aqui. Ou comprar mídias físicas, os bons e velhos CDs, que são mais caros, mas pelo menos são seus. Jogos multijogador competitivo são puro lixo e geram apenas um pequeno lapso vicioso de endorfina, é bem melhor jogar Xadrez ou, melhor ainda, o Xadrez 960, porque o Fischer é um gênio.